segunda-feira, 25 de maio de 2009

Aos amigos, tudo


E lá estava ela, deliciosamente banhada na luz clara e amarelada que desce do sol nesta manhã fria. O céu aberto, e azul, contribui sobremaneira para esta preguiça marota que me domina quase que por completo. Estou aqui deitado, sob as últimas telhas da varanda, perto do pote de ração que já teve dias mais cheios...

O bom de ser cachorro é justamente viver apoiado sobre o “tripé da felicidade”: comida – descanso – diversão. Aqui do alto, sobre a base sólida que o tripé me proporciona, abarco-me em minha própria auto-suficiência de contentamento, haja vista o pleno acesso à fonte inesgotável de felicidade que disponho.

E quando opto pela não-felicidade, o faço por vontade própria e por necessidade conceitual. A tristeza ou algum outro estado “negativo” de espírito são necessários para que a felicidade exista, da mesma forma que o sol e o céu azul de hoje me encantam, porque ontem só choveu.

Toda esta confusão de adjetivos nada mais é do que a nossa simples tentativa de ver sentido nas coisas, nas pessoas. Na vida, no mundo e nas relações que estabelecemos com um e com outro.

Aliás, é justamente no instante em que exerço esta minha opção que mergulho automaticamente em pensamentos e questionamentos, na tentativa de compreender o que é a vida e o que nos faz atribuir conceitos positivos ou negativos para isto ou aquilo.

A qualidade não existe no mundo. Ela existe em nós. O mundo, as pessoas e as coisas possuem características, e adjetivá-las é um mero recurso da nossa gramática.

Por isso, nestes dias de ausência de felicidade, que não necessariamente significa presença de tristeza, o que me cabe (ou resta) é tecer filosofias próprias, enquanto tento encaixar peças aleatórias em um quebra-cabeça que invento em minha mente.

Opto pela não-felicidade porque, em dias de chuva, talvez o verde da árvore que se encontra encostada na lateral do portão não me pareça tão vivo.

Ou talvez por algum outro motivo que me escapa.

Mas esforço-me ao investir minha atenção na construção de hipóteses que me pareçam plausíveis e que me permitam, pelo menos por enquanto, ver beleza onde ninguém mais vê.

E quem sabe um dia eu ascenda a níveis superiores, quando souber ver beleza nos tons monocromáticos da chuva e no contraste que eles provocam com as cores do que é natural.

É então que concluo que, mesmo sobre o tal tripé, a vida por aqui (dentro e fora de mim) nada mais é do que esta sucessão de fatos, de dias de sol e de chuva, frio ou calor, desprovidos de valor e adjetivo, cujas influências sobre mim e sobre o mundo dependem apenas do ponto de vista.

E tento evitar a conclusão lógica de que é só através deste processo de “positivar” e “negativar” as coisas e as pessoas que podemos ser felizes.

Isto posto, e de volta à realidade mundana do início do texto, aqui estou eu, observando ela brincar alegremente com meu pote de ração. Com o focinho ela derruba todo o conteúdo pelo chão, assustando-se com o barulho que ela mesma causou.

Com a bagunça instalada, agora é hora de redistribuir a aleatoriedade dos pedaços de ração que se espalharam pelo chão do quintal.

Ah, como o sol, o céu azul, o verde vivo das árvores e esta leve brisa são capazes de me deixar pleno e satisfeito. Feliz, num sentimento que emana de algum lugar aqui dentro, capaz de me arrepiar os pelos e a pele, inundando meu corpo com esta leveza que me permite ficar deitado, espectador passivo e satisfeito desta algazarra toda.

Outrora ficaria nervoso com tanta baderna e cobraria medidas enérgicas de algum ser humano.

Ou as tomaria com as próprias mãos (ou patas, ou dentes).

Mas hoje não.

Hoje tudo me parece belo e bom.

Não há nada que desperte em mim sentimento de repulsa ou descontentamento, especialmente com esta criança linda e desajeitada cuja inocência é sua principal qualidade.

Ontem, intrusa.

Hoje, amiga.

E, por fim, vem-me à cabeça um ditado famoso, que provavelmente diziam muito por estas bandas antes de eu nascer: “aos amigos, tudo”.

Quanta verdade em tão escassas palavras.

Aliás, pela eloqüência do presente ensaio, nota-se minha incapacidade de falar tanto em tão pouco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário