quinta-feira, 7 de maio de 2009

Em vias de metáforas

A vida é um pouco como uma via pública. Rua, viela, avenida.

Se grande ou pequena depende do sujeito.

Do personagem.

E viver é como andar pra lá e pra cá, atravessando as ruas, avenidas e seus semáforos.

Ás vezes com pressa. Outras despretensiosamente.

A disputar com toda gente o espaço que há na calçada nos dias de rush das avenidas comerciais movimentadas.

Ou a caminhar por vias vazias, sob sol ou lua, com a sensação de que tudo é nosso.

(E de que tudo é tanto que tê-lo na sua totalidade significa nada ter).

E as escolhas que fazemos na vida são como aquele dia em que o sinal está amarelo e você se pergunta se vale a pena arriscar uma corrida para se alcançar o outro lado a tempo.

E arriscar-se na vida pode ser comparado com aquela situação em que o semáforo encontra-se no vermelho, prestes a esverdear, e é preciso embrenhar-se por entre os carros, olhando lá e cá, em velocidade elevada, para se alcançar o outro lado, em busca da certeza de se chegar a tempo e a salvo do fluxo.

E ter certeza é como olhar para o sinal verde e saber exatamente para onde se pode ou não ir, sem pressa.

E saber se estamos ou não no passo certo é como o dia em que a calçada está cheia, e nos pegamos, repentinamente, a andar no ritmo da pessoa que está a nossa frente.

Se não temos nossa atenção voltada a nós mesmos, à nossa vida, não nos importamos de ter nosso tempo ditado por outro alguém.

Mas se de repente, mesmo que aleatoriamente, nos damos conta de que a nossa passada não é nossa, é outra, aí buscamos retomar o controle, deixando para trás aquela pessoa que, mesmo sem intenção, nos atrasava a vida.
A nossa vida.

Dizem por aí aos montes que a vida, que é muito, não pode ser só isso.

A metáfora simples do sinal, ou da rua com carros e pessoas, não pode encerrar todos os inenarráveis mistérios da vida.

Ela é, enquanto recurso lingüístico, a saída que o escritor possui para extrapolar ao infinito, sempre atento à intenção primeira de se fazer entender, na busca por fundamentar suas opiniões.

Então a rua, mesmo que seja só a minha rua e que exista apenas na minha imaginação, assim como suas pessoas e semáforos e automóveis, é grande o suficiente para ilustrar o meu ponto sobre a vida.

Nada, nem ninguém, é capaz de dizer onde começa ou termina a minha rua, e, por conseqüência, a minha metáfora sobre ela.

Assim como ninguém pode dizer onde começa ou termina uma vida.

Infinitas em suas grandezas, a rua, a vida e as metáforas de uma e de outra.

Portanto sim, a vida é como a rua, com seus fluxos complexos formados por unidades que andam pra lá e pra cá, rápida ou lentamente, em todas as direções.

A mistura de tijolos, concreto, asfalto.

Carros, caminhões, ônibus, motos, bicicletas, carroças.

Animais, vegetais.

Pessoas.

Ricas, pobres.

Altas e baixas.

Cores de pele que se juntam, a cada momento, cruzando-se em encontros aleatórios, trombadas acidentais.

Peles escondidas sob as mais variadas cores de tecidos.

Uns grossos, que tudo escondem e protegem. Outros quase transparentes.

Tudo junto, promovendo uma dança cuja beleza encontra-se exatamente em sua imprevisibilidade.

Não é possível descrever o todo de uma vida a partir de uma parte isolada de seu contexto, assim como não se pode descrever o trânsito a partir do comportamento de um único automóvel.

O todo, assim como a vida, não é constituído apenas pela soma de suas partes isoladas.

(Não se extrapola o todo a partir da generalização de uma particularidade, isso sim seria diminuir a vida).

Mas sim, e principalmente, pelas relações que elas estabelecem entre si e entre si e o todo que compõe.

O fluxo de pessoas desta nossa (ou só minha?) rua fictícia, que se olhado de cima nos parecerá caoticamente organizado, não é explicável a partir (apenas) da velocidade do andar de cada um que na rua se encontra.

Além das pernas há os braços, as bolsas, os cabelos. Cabeças que pensam um sem número de coisas. Corações que sentem um outro sem número de sensações.

E cada pedacinho de corpo e de pensamento se mistura no universo complexo que define cada ser humano.

E lá estão eles a andar pra lá e pra cá, universos limitados, pessoais, que se influenciam uns aos outros, seja pela velocidade a que se deslocam, seja pelo espaço que ocupam, sejam pelas semelhanças e diferenças que partilham.

Nunca muito de uma coisa ou de outra.

Sempre um pouco de cada.

Em proporções que variam com o tempo e com o contexto que elas estabelecem a partir de suas inter-relações.

Afinal, quem pode dizer o que acontecerá com quem vem atrás no momento em que os óculos daquele senhor de preto caírem no chão e ele se agachar para pegá-los.

Se aquele rapaz apressado, de ouvidos entretidos com seu tocador de músicas, irá trombá-lo ou desviará a tempo.

Ou se apenas diminuirá sua velocidade, o que provocaria uma série de pequenas reações em cadeia entre as pessoas mais próximas a ele, o que, por sua vez, influenciaria outras tantas que vêm atrás destas.

E quanto mais para trás formos na fila, a partir deste primeiro senhor cuja distração provocou a queda de seu pertence, poderemos notar, de pessoa em pessoa, o peso que este fator inicial exercerá no fluxo, sem que possamos inferir o resultado final a partir desta uma parte isolada.

Pois aos mais próximos será imposta uma maior desaceleração (pobre rapaz apressado e distraído).

Mas e aos mais distantes?

E à moça que vem bem atrás, centenas de metros antes daquele ponto, será que por ela algo será percebido se agora os óculos já se encontram novamente no rosto do senhor de vestes pretas?

Nada.

Por ela nada será percebido pois toda onda de desaceleração já terá se dissipado entre os mais próximos do incidente.

Como a onda no mar, que já fora grande, se dissipa ao alcançar a praia.

Ou como um terremoto, que se dissipa quanto mais longe de seu epicentro observarmos.

Ou como a vida. Esta sobre a qual estamos em vias de falar desde o princípio. É assim também na vida, na qual os incidentes, sejam os de natureza negativa ou positiva, costumam ter seus efeitos sentidos com mais intensidade por quem está próximo, esta mesma que se dissipa com o tempo e a distância.

E o todo, que estávamos a observar e a conjecturar sobre quando aqui se começou a falar de ruas e vidas, se configurará em uma nova forma e passará (ou continuará?) a fluir, como se nada tivesse ocorrido.

Como se fosse o mesmo, mesmo sendo outro.

Assim como cada circunstância que nos ocorre na vida nos influencia de forma particular, gerando respostas particulares.

A cada experiência nova, a cada situação inesperada, uma nova configuração se dá e uma nova vida, dali em diante, se inicia.

Como se fosse outra, mesmo sendo a mesma.

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