quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Sobre relações e relacionamentos



(Há pouco ouvi uma conversa telefônica, não sei ao certo se na TV ou na vida real, mas me lembro exatamente do tema. Era sobre relacionamento. Amoroso, no caso. E eu, que não sei muita coisa sobre o assunto, já que aqui, no meu sub-nível de existência, no mundo canino, as coisas são BEM mais simples entre os machos e fêmeas, resolvi me arriscar neste vasto e complexo universo humano de amor e outras relações nem sempre inteligentes que vocês constroem)


Na verdade não é difícil.

É simples. De repente, não há sintonia.

Há na verdade uma zona intermediária que separa a sintonia do caos, da aleatoriedade. E estar nesta zona é encontrar-se, ao mesmo tempo, em sintonia e sem sintonia.

Como uma ligação de celular com um sinal ruim, que é cortada a cada segundo.

Mover-se mais para um lado significa, necessariamente, afastar-se do outro.

E como saber para que lado ir?

A situação, que hoje parece difícil, na verdade é fácil. Triste é apenas aquele sentimento de estar causando "tristeza" na vida alheia.

Triste é saber que se é o fator que “empurra” o outro para a zona intermediária, para longe da sintonia, ao mesmo tempo em que nos esforçamos ao máximo para nos aproximar dela.

Sim, a relação entre duas pessoas é uma troca que se auto e retro-alimenta constantemente.

Logo, a causa do novo fato está atrelada ao resultado do fato imediatamente anterior.

A primeira briga, se por exemplo gerar remorso, afetará a segunda briga nesta exata medida.

Talvez o segredo seja voltar ao estado inicial, imaculado, sempre. Se é que isso é possível.

O problema, talvez, seja saber compreender a diferença entre as vontades e as intenções das pessoas.

Que variam tanto quanto a roupa que elas vestem.

Logo, não é o fim do relacionamento, mesmo que temporário, o real problema.

O cerne da questão está na dificuldade que temos de enxergar o mundo como ele é de fato.

E, obviamente, em como as impressões que este mundo deixa na gente nos afetam.

Pois é possível dizer que somos outro a cada nova impressão adicionada.

E, se não somos mais os mesmos depois de cada nova impressão, geraremos, a cada mudança, novos padrões.

Como controlar este processo aparentemente aleatório?

Talvez o problema não se encontre no mundo.

E talvez a solução esteja em como nós o concebemos.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A complexidade que emerge das simplicidades



(Hoje eu não estava me sentindo bem. Sei lá, um vazio. Uma falta de algo que eu não sei o que é. Ia pra lá, voltava pra cá. Deitava no tapete, na varanda, na cama. E nada. Nada do sentimento passar. Meus donos, preocupados, me deram comida, um pedaço suculento de carne, um biscoito daqueles que eu mais gosto. Mas não era disso que eu precisava. Mas serei sincero ao assumir que não fiz questão alguma de resistir a nenhum destes pecadinhos que me foram oferecidos. Sou cachorro, não sou hipócrita. E a cada tentativa de me agradar, eles achavam que tudo estava resolvido. Engraçado como essas pessoas humanas enxergam as coisas de forma tão simplista. Para eles um cachorro funciona segundo esta equação: comportamento diferente do padrão significa “cachorro com fome”. E me dão comida. Mas não, não era só fome. E o raciocínio deles prossegue assim “cachorro comeu e não melhorou => biscoito canino”. OK, eu também gosto dos biscoitos, mas não é bem isso. São outras as vontades, as fomes e as sedes. Não as do estômago, obviamente. Mas as do cérebro (engana-se quem pensa que eu acredito em alma). São outras coisas. Não necessariamente coisas novas, desconhecidas. Mas coisas que são frutos das complexas relações que as coisas simples e conhecidas estabelecem entre si. Não são as coisas que me encantam, mas sim suas relações. É aí que está a mágica, se é que há alguma. Não basta me dar comida para saciar minha fome. Não basta água para saciar a sede. A própria língua que vocês falam atribui sentidos diversos a estas palavras, dependendo do contexto. Por que raios deveria ser diferente comigo?!? Que maldito costume de achar que tudo é simplista e que complexo é sinônimo de ininteligível. Enfim, foi sobre isso que escrevi).


Cabisbaixo com o mundo, sigo sentado sem conseguir atingir sucesso na minha eterna tentativa de me concentrar em um assunto qualquer. Nada fica por muito tempo, nem mesmo a idéia que pretende permear este texto. Por isso tenho pouco tempo para escrever sobre esta fagulha de pensamento que ainda existe em mim.


Cabe aqui, nesta efêmera janela de tempo que se abriu para através dela estar apto a expressar o que sinto, dizer que nada do que aqui se diz, ou se escreve, ou os dois, tem utilidade para qualquer outra pessoa que não a mim mesmo. Se é que há alguma utilidade de fato.


Mas, curiosamente, não é que me ocorre uma ponta de surpresa ao ler o que escrevo? Como se pudesse ficar surpreso com o que sei que estou pensando.


Talvez ver um pensamento traduzido em palavras seja diferente. É como se o mesmo fosse outro.


Escrevo o que sinto de forma distinta. Meus olhos vêem a descrição do que sinto de forma diferente dos meus outros sentidos, e talvez seja este o fato que intrigue há tanto tempo a humanidade.


O que é sentir ou pensar se não uma interação complexa entre os sentidos simples do corpo humano? Como descrever tão bem um arrepio que se sente perante uma pessoa querida que não se vê há tempos?


Ler algo como “estou arrepiado” não provoca o mesmo efeito de sentir o tal arrepio.


Quantas palavras são necessárias para se fazer iguais às sensações provocadas por um sentimento?


Como reproduzir as reações químicas necessárias que nos fazem sentir, apenas com símbolos e signos colocados de forma ordenada em nossa frente, numa folha de papel ou em um blog da internet?


Será a soma das partes diferente do todo que elas formam?


Será que a linearidade, o simplismo, esta visão mecanicista, pseudo-newtoniana, estaria fadada a perecer perante à complexidade (inteligível) do mundo?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O auto-processo de um auto-engano



(Hoje o Juca, o cão filósofo, estava introspectivo. Achei que gostaria de escrever sobre algo. Até coloquei o notebook ligado na frente dele. Mas não adiantou. Ele saiu de seu cantinho e foi para algum outro lugar, queria ficar sozinho. Se ele escreveu algo ou não, eu não sei. O computador continua ligado lá na sala. Já o ensinei a postar os textos...)


Se escrever sobre qualquer assunto fosse o suficiente para renovar minha vontade eterna de falar sobre tudo que sinto e penso, teria escrito um sem número de contos e textos. Quiçá livros. Obras inteiras, vastas, volumosas.
Mas não.

Escrever alivia a angústia de ter o que falar. E o curioso, e paradoxal, é que, se não tenho esta angústia, também me foge a vontade de me expressar.

Portanto, o ato de escrever significa, pra mim, o início do não escrever.

É a causa retroalimentando sua própria destruição.

É a relação de reciprocidade que o início estabelece com seu próprio fim.

O remédio para a minha angústia é o mesmo causador do seu início.

Como se um antibiótico fosse a própria bactéria a qual se propõe a eliminar.
Pois se paro de escrever, me angustio mais. Se me angustio mais, sinto mais vontade de escrever, e assim o faço simplesmente para parar em seguida, quando a angústia se esvai. E tudo retorna ao início.

Este é o processo cíclico da relação que estabeleço com a minha angústia psicológica. Se o há, sobre seu conteúdo escrevo. Escrevendo, o incômodo se esvai, levando consigo as palavras.

É o eterno recomeço, aquele sobre o qual tanto já se falou nestes e em outros tempos.

Entre devaneios e pausas, descobri uma solução ardilosa, por assim dizer. Ou engenhosa, se preferir. Paradoxal, sem dúvida. E aqui estou eu a contornar a questão fazendo uso da mesma técnica: se com a escrita a angústia se vai (ora, para onde iria?), sobre sua partida escreverei, pois estão se esvairá a partida e a angústia não mais poderá ir para nenhum outro lugar que não a minha mente.

Engano a angústia, tomando-lhe a liberdade de partir.

E fazendo isto prolongo meu sofrimento.

Engano a mim mesmo duas vezes.

E sigo-o fazendo por todo sempre.

Saber enganar-se é, em essência, saber ser feliz.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobre a intolerância e a incompreensão que assolam a humanidade

(Hoje meu dono pediu um favor pra mim. Pediu para que eu cedesse um post do meu blog para que ele pudesse externar sua indignação para com uma coluna de cunho preconceituoso que foi publicada pelo Sr. Cláudio Lembo no sítio "Terra Magazine". Obviamente que fui ler a coluna antes de dar o meu parecer favorável à utilização ou não do meu blog. Aquele senhor é criativo e capaz de enumerar algumas das maiores inverdades. E demonstra, claramente, seu preconceito e falta de respeito para com as pessoas que pensam de forma diferente da dele. Uma pena que o povo desta cidade esteja sujeito a um pensamento tão obtuso como o dele. Sorte a minha que sou cachorro. Aí vai a opinião dele. Do meu dono, claro. Opinião da qual partilho, diga-se de passagem. E que deus proteja a democracia)

Foi com tristeza que li a última coluna do Sr. Claudio Lembo, figura expressiva no mundo político e jurídico de São Paulo, inclusive ocupando o cargo de governador, que pretendeu associar diversos aspectos negativos da sociedade mundial atual, como o consumismo capitalista, alem de todas as mazelas do mundo, a um eventual crescimento do ateísmo em países do primeiro mundo.
Aliás, além de preconceituosa, tal coluna faz assertivas no mínimo precipitadas, especialmente quando associa, por exemplo, "pensamentos ateus" com práticas de "hedonismo selvagem". Não me arrisco nem a solicitar a bibliografia a partir da qual o Sr. Claudio Lembo extraiu tais dados. Suas afirmações, antes de serem frutos de pesquisa científica, são originárias de sua intolerância, característica esta bem comum entre pessoas religiosas e responsável por diversos dos mais graves problemas que já assolaram a humanidade, do passado longínquo até os dias atuais.
Uma pena que um espaço tão democrático e laico como o "Terra Magazine" tenha publicado um conteúdo como este.
Vale ressaltar, inclusive em nome da democracia que defendo, que o Sr. Lembo tem todo o direito de acreditar ou não em deus, ou em qualquer outra coisa que julgue digna e merecedora de sua fé. Mas não tem direito, em nenhum momento, de proferir palavras tão preconceituosas e mal embasadas contra um certo grupo de pessoas especificamente pela natureza de sua fé, ou, no caso, pela ausência dela.
O preconceito demonstrado pelo autor é tamanho que o cega para fatos corriqueiros na história da humanidade que nos mostram um cenário diametralmente oposto ao descrito por ele em sua coluna.
As mazelas do mundo atual e os problemas que assolaram a humanidade ao longo de sua história foram realmente causados pelos ateus? Ou será que eles tem uma relação mais “íntima” com a religião, especialmente com a tal religiosidade ocidental, mencionada pelo Sr. Lembo?
Vamos aos fatos.
Um breve e não muito aprofundado estudo das religiões, especialmente os grandes monoteísmos “ocidentais”, nos mostram o quão recheadas estão, por exemplo, das tais práticas "hedonísticas e selvagens", mencionadas pelo autor. Devo aqui enumerar os casos de violência sexual, abusos, mortes, guerras e, claro, gastos exorbitantes? Quem, durante grande parte da história européia, deteve mais de um terço das terras daquele continente, enquanto a imensa maioria do povo vivia em condições de miséria, em épocas que precederam o iluminismo? Foi uma instituição atéia que recebeu terras italianas, isenção de impostos e repasse de tributos, ganhando dinheiro a partir de cidadãos que durante anos pagaram (e ainda pagam, pasmem!) “compulsoriamente” para esta instituição? Foi esta mesma instituição aquela capaz de fazer "vistas grossas" ao crescimento de Hitler e Mussolini? Qual evento militar, especialmente os de grandes proporções, que assolou a humanidade, que não foi causado por conflitos religiosos, e mesmo por uma vontade da própria Igreja Católica de aumentar seus domínios, seu poder, sua influência? Ou será que o Sr. Lembo conhece algum ateu que seqüestra aviões e os conduz contra prédios?
Ora, é extensa a lista de agravantes contra a religião e suas práticas. Posso ficar aqui descrevendo inúmeros casos, uns mais famosos do que outros, mas todos deixando claro que quem promove guerra, intolerância, mortes, "consumismo", "materialismo", "niilismo" e "hedonismo", para usar alguns dos termos citados pelo Sr. Lembo, é justamente a religião, e não a ausência dela, como, equivocadamente, quer nos fazer acreditar o autor daquela coluna.
A campanha citada por ele em sua coluna, inclusive, possui em seu âmago democracia, respeito e tolerância, características estas que faltaram ao colunista em questão.
Aliás, infelizmente, tem sido algo corriqueiro este acesso de intolerância por parte de algumas pessoas religiosas quando outros cidadãos expressam opiniões diferentes.
(Diga-se de passagem, e esta afirmação é de enorme importância, que os ateus não consideram que todas as pessoas religiosas partilhem de uma postura preconceituosa, belicosa, intolerante).
Quer uma amostra que comprova esta minha última afirmativa, a que veio antes dos parenteses supra destacados? Então vamos voltar ao texto do Sr. Lembo.
Não satisfeito em atribuir ao ateísmo a culpa por todo o problema que o sistema capitalista tem enfrentado, o Sr. Lembo ainda vai mais longe. Ignorando a riqueza da Igreja Católica, de seus bancos existentes dentro das fronteiras intransponíveis do Vaticano e que investem os bilhões de dólares em mercados mundiais, visando ao lucro, obviamente, o autor ainda classifica os cidadãos ateus como "individualistas" e "niilistas", como se fossem estes últimos os causadores da crise, do consumismo exacerbado que caracteriza nossa sociedade.
Ora, Sr. Lembo, houve algum personagem histórico mais niilista e individualista que o Sr. Bush, religioso fervoroso que fazia tudo em nome de deus?
Ou o senhor poderia nos contar o que fez a igreja católica contra os nazistas e fascistas na época da segunda grande guerra, mais especificamente a natureza da relação daquela instituição com o ditador Mussolini?
E as crises da igreja católica, em épocas passadas, por causa do dinheiro que geravam com a venda de imagens?
O que tem o Sr. Lembo a dizer sobre a FORTUNA que a Igreja Católica possui, parte dela fruto de impostos específicos pagos pelos cidadãos italianos, prática esta instituída na época de Mussolini, figura política conhecida por suas práticas "individualistas", e contra quem nada fez para deter a ascensão?
Enfim, diante de alguns poucos fatos, fica claro o “equívoco” do autor ao tentar tornar o ateísmo uma seita responsável por todos os problemas existentes em nossa sociedade. O Sr. Lembo trata desrespeitosamente aqueles que exercem o direito democrático de não possuírem crença religiosa, inclusive como se quisessem recrutar novos "servos" e dominar o mundo, numa tentativa mesquinha de atribuir aos ateus uma prática corriqueira de alguns religiosos. São estes últimos que promovem passeatas pelas cidades, que usam a mídia extensivamente atrás de novos fiéis, que cobram dinheiro de seus seguidores por um lugar no céu ou que demonstram toda sua intolerância perante uma opinião diferente.
Aliás, qualquer semelhança com o conteúdo da coluna do Sr. Cláudio Lembo (não) é mera coincidência.
Por fim, gostaria que fosse registrada a minha manifestação e, em nome da democracia e laicicidade do Estado Brasileiro, fosse publicada esta "réplica". Seria bom, inclusive, que informassem ao senhor autor de que ateus são aqueles seres humanos que, do alto do gozo dos seus direitos constitucionais, olham para o mundo e, a partir do pouco de inteligência de que são dotados, enxergam sua beleza sem precisarem de "algo mais".
Quiçá a imensa maioria do mundo também fosse capaz de usar a inteligência de uma forma mais agregadora, compreensiva, e não em prol de pensamentos e atitudes intolerantes e preconceituosas.
Inclusive o Sr. Lembo, figura das mais expressivas e dotada de notável capacidade intelectual, mas que infelizmente não fez uso pleno de suas faculdades em sua última coluna.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sobre as regras, exceções e a ausência de intenção



(Hoje está frio. Não sei se de fato está ou se sou só eu que sinto (e há diferença entre um e outro?). Na verdade, me parece que, para a época do ano, se frio estiver, hoje é uma exceção à regra. À normalidade da expectativa que todos têm em relação à época do ano. Ora, de quantas exceções é feito um mundo como este? Qual é o número máximo de exceções que um determinado assunto pode possuir antes de ser promovido ao status de "regra"? Precisa chover, ventar e fazer frio por quantos dias durante o verão para que ele vire inverno? Seria a diferença apenas uma questão de definição, de denominação? E se é este o caso, se a diferença nada mais é que o rótulo que as pessoas humanas colocam, por que tanta intolerância, tanta incompreensão? E, afinal, que diferença faz para este simples cachorro o nome que as pessoas humanas deram para isso ou aquilo? O que importa é que estou deitado aqui embaixo da minha mesa, e estou com frio. Deixaram a porta da varanda escancarada e não tem ninguém para fechá-la pra mim. Mas não acho que meus donos sejam maus ou relapsos, não acho que eles tenham feito isso (ou qualquer outra coisa) por má intenção. Eles simplesmente são humanos, às vezes mais preocupados com eles, outras o inverso disso. E é justamente neste momento de "auto-foco" que o mundo que os rodeia mais sofre. OK, não necessariamente o mundo todo. As vezes a única vítima é um animalzinho como este que vos fala. Mas não fico triste. Faz parte e eu sou feliz assim. Sabe por quê? Porque sei que o mundo é assim, sei que as coisas são assim e sei que é isso que devo esperar do mundo. Por isso sou feliz. Alguns dias do verão serão frios e chuvosos, e o inverno tem igual probabilidade de trazer sol e calor. Decerto esquecerão a porta fechada em um dia bem quente, e tornarei eu a escrever sobre o sofrimento diametralmente oposto ao de hoje do qual serei vítima. E sempre que eles chegarem aqui em casa, na volta do trabalho, vou fazer a mesma festa. Vou pular, abanar meu rabo, tentar beijar-lhes a fronte e deitar, de barriga pra cima, para que me façam carinho. E aquele vai ser o melhor carinho da minha vida. Tenha ficado a porta aberta ou fechada. Faça chuva ou sol. Porque é assim que eu amo meus donos, e é assim que eles me amam. Porque o mundo é assim e é só isso que importa.)


O vento que emana da janela e dobra os papéis da mesa o faz sem intenção.

O sol que queima o tijolo e o concreto que reveste a parede do prédio de frente à minha varanda o faz sem intenção.

A fome que mata as pessoas do mundo o faz sem intenção.

A planta que cresce na relva, ou no pequeno espaço que há entre aqueles dois azulejos, o faz sem intenção.

A mão que mata, que acaricia, que alimenta, que agride ou que escreve, o faz sem intenção.

O mundo se faz sem intenção.

O mundo se faz por aqueles que acham que ele é Feito por Outro.

Há apenas a intenção de se inventar uma intenção por trás de tudo.

E há também um vazio dentro de cada pessoa.
Somos metade pensamento, enquanto tentamos entender o mundo.
Mas na outra metade somos vazio, que nada mais é do que todo o resto do qual não temos consciência, e como nos falta humildade para reconhecer nossa limitação e nossa insignificância, preenchemos com ignorância, as vezes a um custo altíssimo.

E este vazio é o que mais nos pesa.

Há quem ache isso a causa.

E há quem não ache nada.

Que diferença faz?