segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Mesmo Diferente


E hoje, o “de sempre” se desfez em formas estranhas.
Os azulejos e o branco da parede eram estranhamente iguais a ontem, mas diferentes.

Engraçado como existe instantes em que o corpo se inunda com esta sensação de estranheza, de peculiaridade, mesmo quando o contexto é o mesmo.

Mesmo quando o cinza do céu é o mesmo maldito cinza de todos os dias, de todos os céus.

Sim, a chuva cai fina lá fora, mas isso não vai impedir que eu me aventure no chão molhado do quintal.

Mas não, não incomodarei você com histórias destas minhas (pretensas) aventuras.

Quem verei ou ouvirei hoje, lá fora, não importa.

Serão todos os mesmos.

Diferentes, mas iguais.

Quiçá eu conseguisse encontrar as palavras que me permitissem descrever a sensação que brota da minha pele neste momento.

No instante que separa cada segundo que aquele velho relógio da parede computa, incansavelmente, sinto-me conectado com este todo que me circunda.

É neste pequeno intervalo de tempo, como se aquele ponteiro mais fino e comprido, que pulsa, ficasse parado, pelo longo vão que separa este segundo do próximo, que me perco na imensidão do mundo.

Da vida.

Uma vida em pausa.

Quantas sensações em tão pouco tempo.

Um estrondo.

Uma explosão para a qual já se inventaram palavras para descrevê-la, mas minha pobre mente de cachorro não possui a iluminação necessária para combiná-las.

E não importa se hoje estou deitado ou sentado.

Não há variável neste ambiente amorfo que valha uma letra deste texto.

O que importa, e inspira, é esta singularidade.

O que importa é a mesmice de tudo.

Hoje, até as diferenças são iguais.

E não há parâmetro que me diferencie do mundo.

Sou nele o que ele me é.

O mesmo diferente de sempre.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Aos amigos, tudo


E lá estava ela, deliciosamente banhada na luz clara e amarelada que desce do sol nesta manhã fria. O céu aberto, e azul, contribui sobremaneira para esta preguiça marota que me domina quase que por completo. Estou aqui deitado, sob as últimas telhas da varanda, perto do pote de ração que já teve dias mais cheios...

O bom de ser cachorro é justamente viver apoiado sobre o “tripé da felicidade”: comida – descanso – diversão. Aqui do alto, sobre a base sólida que o tripé me proporciona, abarco-me em minha própria auto-suficiência de contentamento, haja vista o pleno acesso à fonte inesgotável de felicidade que disponho.

E quando opto pela não-felicidade, o faço por vontade própria e por necessidade conceitual. A tristeza ou algum outro estado “negativo” de espírito são necessários para que a felicidade exista, da mesma forma que o sol e o céu azul de hoje me encantam, porque ontem só choveu.

Toda esta confusão de adjetivos nada mais é do que a nossa simples tentativa de ver sentido nas coisas, nas pessoas. Na vida, no mundo e nas relações que estabelecemos com um e com outro.

Aliás, é justamente no instante em que exerço esta minha opção que mergulho automaticamente em pensamentos e questionamentos, na tentativa de compreender o que é a vida e o que nos faz atribuir conceitos positivos ou negativos para isto ou aquilo.

A qualidade não existe no mundo. Ela existe em nós. O mundo, as pessoas e as coisas possuem características, e adjetivá-las é um mero recurso da nossa gramática.

Por isso, nestes dias de ausência de felicidade, que não necessariamente significa presença de tristeza, o que me cabe (ou resta) é tecer filosofias próprias, enquanto tento encaixar peças aleatórias em um quebra-cabeça que invento em minha mente.

Opto pela não-felicidade porque, em dias de chuva, talvez o verde da árvore que se encontra encostada na lateral do portão não me pareça tão vivo.

Ou talvez por algum outro motivo que me escapa.

Mas esforço-me ao investir minha atenção na construção de hipóteses que me pareçam plausíveis e que me permitam, pelo menos por enquanto, ver beleza onde ninguém mais vê.

E quem sabe um dia eu ascenda a níveis superiores, quando souber ver beleza nos tons monocromáticos da chuva e no contraste que eles provocam com as cores do que é natural.

É então que concluo que, mesmo sobre o tal tripé, a vida por aqui (dentro e fora de mim) nada mais é do que esta sucessão de fatos, de dias de sol e de chuva, frio ou calor, desprovidos de valor e adjetivo, cujas influências sobre mim e sobre o mundo dependem apenas do ponto de vista.

E tento evitar a conclusão lógica de que é só através deste processo de “positivar” e “negativar” as coisas e as pessoas que podemos ser felizes.

Isto posto, e de volta à realidade mundana do início do texto, aqui estou eu, observando ela brincar alegremente com meu pote de ração. Com o focinho ela derruba todo o conteúdo pelo chão, assustando-se com o barulho que ela mesma causou.

Com a bagunça instalada, agora é hora de redistribuir a aleatoriedade dos pedaços de ração que se espalharam pelo chão do quintal.

Ah, como o sol, o céu azul, o verde vivo das árvores e esta leve brisa são capazes de me deixar pleno e satisfeito. Feliz, num sentimento que emana de algum lugar aqui dentro, capaz de me arrepiar os pelos e a pele, inundando meu corpo com esta leveza que me permite ficar deitado, espectador passivo e satisfeito desta algazarra toda.

Outrora ficaria nervoso com tanta baderna e cobraria medidas enérgicas de algum ser humano.

Ou as tomaria com as próprias mãos (ou patas, ou dentes).

Mas hoje não.

Hoje tudo me parece belo e bom.

Não há nada que desperte em mim sentimento de repulsa ou descontentamento, especialmente com esta criança linda e desajeitada cuja inocência é sua principal qualidade.

Ontem, intrusa.

Hoje, amiga.

E, por fim, vem-me à cabeça um ditado famoso, que provavelmente diziam muito por estas bandas antes de eu nascer: “aos amigos, tudo”.

Quanta verdade em tão escassas palavras.

Aliás, pela eloqüência do presente ensaio, nota-se minha incapacidade de falar tanto em tão pouco.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Há dias. Há tempos.


Há dias em que só há chuva

Há dias em que só chove aqui por estas bandas

E até o verde da planta molhada se tinge do tom monocromático do céu

E são estes tons de cinza que pintam a abóbada que trazem a cor da vida pra terra.

Engraçado. São os contrastes se completando.

Engraçado como há dias em que se percebe a imensidão e complexidade da vida em cada pequeno pedaço do mundo.

Engraçado como há dias em que queremos o que não temos.

Sim, há dias em que há sol e o que eu mais quero é água.

E nos dias de água, como estes, como hoje, eu só queiro deitar e olhar o mundo se molhar.

(enquanto me perco a pensar no sol)

Vez ou outra o vento bate mais forte e desvia algumas gotas em minha direção, como se quisesse me dar o gostinho da água que cai do céu.

Como se enxergar todo este excesso de mundo não me fosse o suficiente.

Ah, é tanto mundo ao meu redor que eu fico tonto.

Há dias em que que há mundo para todos os lados que eu olho.

Tenho pensado bastante e, definitivamente, eu sei muito menos sobre mim mesmo do que eu imaginava.

Há tempos em que só havia respostas.

E há dias, como hoje, em que só há perguntas.

E o sentimento termina onde começa a próxima dúvida.

Sim, há dias em que só há dúvidas.

Duvido, inclusive, se sou realmente eu a escrever e a duvidar de mim e do mundo.

Há dias em que nenhum sentimento é pleno.

Há a sensação de ser e de não ser, uma na metade da outra.

E há dias em que deito e olho para este céu cinza como o de hoje a observar o pensamento se esvair nas gotas que correm apressadas quando alcançam o chão.

E há momentos que duram a eternidade da chama de uma vela acesa sob a chuva de hoje.

E há instantes em que fito as nuvens me perguntando se por trás delas virá o azul do céu e o calor do sol.

Ou se virá mais nuvens, mais cinza.

E se vier mais chuva, que venha.
E nunca se saberá se há dias há tempos.
Ou se hoje, agora.

Pois se há, ou se houve , haverá sempre palavras a serem escritas.
E se há mais palavras, há mundo, há vida.
E ambos só hão de ser, ou de haver, pois há palavras para descrevê-los.

Escrevo, logo existo.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mundo Cão – Capítulo 1: A Criação



E, no primeiro dia, o deus canino fez xixi em todos os lugares.

(Porque ele não conhecia este novo mundo e precisava marcar seu território)

No segundo dia ele se assustou quando caiu na água e, enquanto o coração tentava escapar pela boca devido à surpresa, sacudiu-se bastante para se secar e escapar do frio, molhando tudo ao seu redor e provocando a primeira chuva naquele novo mundo, que por sua vez criou os rios e lagos.

(Como estava muito escuro, ele não sabia onde terminava a terra e começava a água)

No terceiro dia ele latiu bastante, porque, do nada, do escuro ele fez a luz, para esquentar um pouco o mundo e impedir banhos desnecessários como o de ontem.

(Todos sabem que qualquer cachorro estranha quando alguma característica do ambiente muda, mesmo quando foi ele o causador da mudança)

No quarto dia ele alcançou o máximo do "aperto fisiológico", e fez as outras necessidades que vinha segurando desde o primeiro dia.

(Ah, que alívio!!)

No quinto dia, do “barro”, ele fez o homem.

(Qualquer semelhança não é mera coincidência)

No sexto dia ele não fez a mulher, porque resolveu comer o osso da costela.

(Oras, já se passavam seis longos dias de trabalho sem nenhum petisquinho)

Por fim, no sétimo dia, ele criou o poste, pois não ficava bem fazer xixi em qualquer lugar.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Em vias de metáforas

A vida é um pouco como uma via pública. Rua, viela, avenida.

Se grande ou pequena depende do sujeito.

Do personagem.

E viver é como andar pra lá e pra cá, atravessando as ruas, avenidas e seus semáforos.

Ás vezes com pressa. Outras despretensiosamente.

A disputar com toda gente o espaço que há na calçada nos dias de rush das avenidas comerciais movimentadas.

Ou a caminhar por vias vazias, sob sol ou lua, com a sensação de que tudo é nosso.

(E de que tudo é tanto que tê-lo na sua totalidade significa nada ter).

E as escolhas que fazemos na vida são como aquele dia em que o sinal está amarelo e você se pergunta se vale a pena arriscar uma corrida para se alcançar o outro lado a tempo.

E arriscar-se na vida pode ser comparado com aquela situação em que o semáforo encontra-se no vermelho, prestes a esverdear, e é preciso embrenhar-se por entre os carros, olhando lá e cá, em velocidade elevada, para se alcançar o outro lado, em busca da certeza de se chegar a tempo e a salvo do fluxo.

E ter certeza é como olhar para o sinal verde e saber exatamente para onde se pode ou não ir, sem pressa.

E saber se estamos ou não no passo certo é como o dia em que a calçada está cheia, e nos pegamos, repentinamente, a andar no ritmo da pessoa que está a nossa frente.

Se não temos nossa atenção voltada a nós mesmos, à nossa vida, não nos importamos de ter nosso tempo ditado por outro alguém.

Mas se de repente, mesmo que aleatoriamente, nos damos conta de que a nossa passada não é nossa, é outra, aí buscamos retomar o controle, deixando para trás aquela pessoa que, mesmo sem intenção, nos atrasava a vida.
A nossa vida.

Dizem por aí aos montes que a vida, que é muito, não pode ser só isso.

A metáfora simples do sinal, ou da rua com carros e pessoas, não pode encerrar todos os inenarráveis mistérios da vida.

Ela é, enquanto recurso lingüístico, a saída que o escritor possui para extrapolar ao infinito, sempre atento à intenção primeira de se fazer entender, na busca por fundamentar suas opiniões.

Então a rua, mesmo que seja só a minha rua e que exista apenas na minha imaginação, assim como suas pessoas e semáforos e automóveis, é grande o suficiente para ilustrar o meu ponto sobre a vida.

Nada, nem ninguém, é capaz de dizer onde começa ou termina a minha rua, e, por conseqüência, a minha metáfora sobre ela.

Assim como ninguém pode dizer onde começa ou termina uma vida.

Infinitas em suas grandezas, a rua, a vida e as metáforas de uma e de outra.

Portanto sim, a vida é como a rua, com seus fluxos complexos formados por unidades que andam pra lá e pra cá, rápida ou lentamente, em todas as direções.

A mistura de tijolos, concreto, asfalto.

Carros, caminhões, ônibus, motos, bicicletas, carroças.

Animais, vegetais.

Pessoas.

Ricas, pobres.

Altas e baixas.

Cores de pele que se juntam, a cada momento, cruzando-se em encontros aleatórios, trombadas acidentais.

Peles escondidas sob as mais variadas cores de tecidos.

Uns grossos, que tudo escondem e protegem. Outros quase transparentes.

Tudo junto, promovendo uma dança cuja beleza encontra-se exatamente em sua imprevisibilidade.

Não é possível descrever o todo de uma vida a partir de uma parte isolada de seu contexto, assim como não se pode descrever o trânsito a partir do comportamento de um único automóvel.

O todo, assim como a vida, não é constituído apenas pela soma de suas partes isoladas.

(Não se extrapola o todo a partir da generalização de uma particularidade, isso sim seria diminuir a vida).

Mas sim, e principalmente, pelas relações que elas estabelecem entre si e entre si e o todo que compõe.

O fluxo de pessoas desta nossa (ou só minha?) rua fictícia, que se olhado de cima nos parecerá caoticamente organizado, não é explicável a partir (apenas) da velocidade do andar de cada um que na rua se encontra.

Além das pernas há os braços, as bolsas, os cabelos. Cabeças que pensam um sem número de coisas. Corações que sentem um outro sem número de sensações.

E cada pedacinho de corpo e de pensamento se mistura no universo complexo que define cada ser humano.

E lá estão eles a andar pra lá e pra cá, universos limitados, pessoais, que se influenciam uns aos outros, seja pela velocidade a que se deslocam, seja pelo espaço que ocupam, sejam pelas semelhanças e diferenças que partilham.

Nunca muito de uma coisa ou de outra.

Sempre um pouco de cada.

Em proporções que variam com o tempo e com o contexto que elas estabelecem a partir de suas inter-relações.

Afinal, quem pode dizer o que acontecerá com quem vem atrás no momento em que os óculos daquele senhor de preto caírem no chão e ele se agachar para pegá-los.

Se aquele rapaz apressado, de ouvidos entretidos com seu tocador de músicas, irá trombá-lo ou desviará a tempo.

Ou se apenas diminuirá sua velocidade, o que provocaria uma série de pequenas reações em cadeia entre as pessoas mais próximas a ele, o que, por sua vez, influenciaria outras tantas que vêm atrás destas.

E quanto mais para trás formos na fila, a partir deste primeiro senhor cuja distração provocou a queda de seu pertence, poderemos notar, de pessoa em pessoa, o peso que este fator inicial exercerá no fluxo, sem que possamos inferir o resultado final a partir desta uma parte isolada.

Pois aos mais próximos será imposta uma maior desaceleração (pobre rapaz apressado e distraído).

Mas e aos mais distantes?

E à moça que vem bem atrás, centenas de metros antes daquele ponto, será que por ela algo será percebido se agora os óculos já se encontram novamente no rosto do senhor de vestes pretas?

Nada.

Por ela nada será percebido pois toda onda de desaceleração já terá se dissipado entre os mais próximos do incidente.

Como a onda no mar, que já fora grande, se dissipa ao alcançar a praia.

Ou como um terremoto, que se dissipa quanto mais longe de seu epicentro observarmos.

Ou como a vida. Esta sobre a qual estamos em vias de falar desde o princípio. É assim também na vida, na qual os incidentes, sejam os de natureza negativa ou positiva, costumam ter seus efeitos sentidos com mais intensidade por quem está próximo, esta mesma que se dissipa com o tempo e a distância.

E o todo, que estávamos a observar e a conjecturar sobre quando aqui se começou a falar de ruas e vidas, se configurará em uma nova forma e passará (ou continuará?) a fluir, como se nada tivesse ocorrido.

Como se fosse o mesmo, mesmo sendo outro.

Assim como cada circunstância que nos ocorre na vida nos influencia de forma particular, gerando respostas particulares.

A cada experiência nova, a cada situação inesperada, uma nova configuração se dá e uma nova vida, dali em diante, se inicia.

Como se fosse outra, mesmo sendo a mesma.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

78


São 78 os azulejos que me separam da área gramada do novo quintal desta nova casa para onde me trouxeram.

Sim, mudei de residência sem ao menos ser questionado se este era ou não o meu desejo.

Fui sorrateiramente enganado, e faço questão de descrever o minucioso e frio procedimento adotado pelo meu dono para me trazer até aqui.

Primeiro foi a coleira, que ele pegou do armário da mesma forma que ele sempre faz quando vamos passear. Eu, inocente cachorro que sou, fiquei todo contente.

(É, a freqüência de agitação do meu rabinho não me deixa mentir nestas horas).

Pois bem, a coleira foi colocada e lá fomos nós, pela escada do prédio, em direção ao térreo.

Eu, pensando que iria para mais um agradável passeio.

Ele, ardilosamente me conduzindo para um caminho sem volta.

Foi basicamente este o processo que me trouxe até esta longínqua casa que agora estou aprendendo a chamar de lar. Nenhum canto ou parede tem o meu cheiro, então tudo que me rodeia ainda me parece bem estranho.

O sofá da sala ou mesmo a cama onde agora passei a dormir não me provocam a mesma sensação dos similares anteriores.

Ainda olho para a janela, para a bancada da cozinha, e não me sinto confortável.

Claro que já descobri onde escondem minha comida e meus biscoitos, mas mesmo assim ainda não me sinto na liberdade de ir até lá roubá-los.

Parecerá surpreendente o que se lerá na seqüência, mas até mesmo a liberdade que tenho aqui, com todo este espaço disponível, me parece estranha, sufocante.

Olho para esta imensidão toda e me aumenta a vontade de ficar aqui deitado, sobre a roupa que me deixaram, em cujo tecido está impregnado o cheiro do meu passado.

Ficar aqui, sobre esta camiseta, de olhos fechados, é como ser instantaneamente transportado para a minha casa, para a segurança de um ambiente que eu já conhecia, para todos aqueles cheiros familiares.

Aqui, sobre este pedaço de pano, neste minúsculo espaço entre o sofá e a parede, desfruto de toda a felicidade que meu passado me proporciona.

O passado que um dia foi presente.

O presente que agora é apenas lembrança.

E daqui, deste cantinho de onde escrevo estas palavras, também posso ver o corredor e seus 78 azulejos de comprimento que me conduziriam, se sobre eles estivesse andando agora, ao quintal gramado, com árvores, que se encontra nos fundos desta casa nova.

Ah, todo o espaço que sempre sonhei está aqui, perante meus olhos saudosos, à minha total disposição.

Lembro-me com um leve aperto no peito dos dias longos que passava sozinho na minha outra casa, deitado no canto, sob a mesa, a observar pacientemente o que se sucedia do lado de fora da varanda.

Deitado, lá ficava a sonhar espaços amplos nos quais poderia exercitar todas as minhas vontades, fossem elas fisiológicas ou de outra natureza.

E hoje, cá estou com todo este espaço, e não há nada que eu mais queira ou deseje que este cantinho diminuto, entre o sofá e a parede, deitado sobre a blusa de odores familiares, de olhos fechados a sonhar com as limitações que me eram impostas no passado.

De fardo, hoje as sinto e vejo como aquele momento de felicidade plena que recordamos ter sentido na infância, e o coração bate mais rápido a cada quadro que se sucede em minha memória monocromática.

Ah, que saudade ter o que eu não tenho.

quinta-feira, 23 de abril de 2009