segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sobre as regras, exceções e a ausência de intenção



(Hoje está frio. Não sei se de fato está ou se sou só eu que sinto (e há diferença entre um e outro?). Na verdade, me parece que, para a época do ano, se frio estiver, hoje é uma exceção à regra. À normalidade da expectativa que todos têm em relação à época do ano. Ora, de quantas exceções é feito um mundo como este? Qual é o número máximo de exceções que um determinado assunto pode possuir antes de ser promovido ao status de "regra"? Precisa chover, ventar e fazer frio por quantos dias durante o verão para que ele vire inverno? Seria a diferença apenas uma questão de definição, de denominação? E se é este o caso, se a diferença nada mais é que o rótulo que as pessoas humanas colocam, por que tanta intolerância, tanta incompreensão? E, afinal, que diferença faz para este simples cachorro o nome que as pessoas humanas deram para isso ou aquilo? O que importa é que estou deitado aqui embaixo da minha mesa, e estou com frio. Deixaram a porta da varanda escancarada e não tem ninguém para fechá-la pra mim. Mas não acho que meus donos sejam maus ou relapsos, não acho que eles tenham feito isso (ou qualquer outra coisa) por má intenção. Eles simplesmente são humanos, às vezes mais preocupados com eles, outras o inverso disso. E é justamente neste momento de "auto-foco" que o mundo que os rodeia mais sofre. OK, não necessariamente o mundo todo. As vezes a única vítima é um animalzinho como este que vos fala. Mas não fico triste. Faz parte e eu sou feliz assim. Sabe por quê? Porque sei que o mundo é assim, sei que as coisas são assim e sei que é isso que devo esperar do mundo. Por isso sou feliz. Alguns dias do verão serão frios e chuvosos, e o inverno tem igual probabilidade de trazer sol e calor. Decerto esquecerão a porta fechada em um dia bem quente, e tornarei eu a escrever sobre o sofrimento diametralmente oposto ao de hoje do qual serei vítima. E sempre que eles chegarem aqui em casa, na volta do trabalho, vou fazer a mesma festa. Vou pular, abanar meu rabo, tentar beijar-lhes a fronte e deitar, de barriga pra cima, para que me façam carinho. E aquele vai ser o melhor carinho da minha vida. Tenha ficado a porta aberta ou fechada. Faça chuva ou sol. Porque é assim que eu amo meus donos, e é assim que eles me amam. Porque o mundo é assim e é só isso que importa.)


O vento que emana da janela e dobra os papéis da mesa o faz sem intenção.

O sol que queima o tijolo e o concreto que reveste a parede do prédio de frente à minha varanda o faz sem intenção.

A fome que mata as pessoas do mundo o faz sem intenção.

A planta que cresce na relva, ou no pequeno espaço que há entre aqueles dois azulejos, o faz sem intenção.

A mão que mata, que acaricia, que alimenta, que agride ou que escreve, o faz sem intenção.

O mundo se faz sem intenção.

O mundo se faz por aqueles que acham que ele é Feito por Outro.

Há apenas a intenção de se inventar uma intenção por trás de tudo.

E há também um vazio dentro de cada pessoa.
Somos metade pensamento, enquanto tentamos entender o mundo.
Mas na outra metade somos vazio, que nada mais é do que todo o resto do qual não temos consciência, e como nos falta humildade para reconhecer nossa limitação e nossa insignificância, preenchemos com ignorância, as vezes a um custo altíssimo.

E este vazio é o que mais nos pesa.

Há quem ache isso a causa.

E há quem não ache nada.

Que diferença faz?

Nenhum comentário:

Postar um comentário