terça-feira, 14 de abril de 2009

"Em Branco"



(Hoje Juca, o cão filósofo, acordou feliz. Foi tomar o desjejum que, embora não tão fresco quanto aquela comida recém saída do saco, foi o suficiente para deixá-lo satisfeito e apto para mais um passeio matinal. No caminho para a varanda, Juca deparou-se com uma folha de papel em branco. Fiquei surpreso pelo fato de algo tão aleatório ter-lhe despertado uma vontade inexplicável de escrever sobre a vida e o mundo e as pessoas. Pois bem, acabei emprestando meu computador meio a contra-gosto, desconfiando, inclusive, que se não o fizesse, o veria escrever da mesma forma, por outros meios).

Escrevo agora sobre um “nada” de assunto. Não tenho sobre o que escrever e portanto falarei sobre a falta. Sobre a ausência.

Ao olhar esta folha em branco eu me lembrei de uma ocasião, há tempos atrás, quando recebi uma nota fiscal do veterinário ,no verso da qual havia um carimbo “em branco”.

Oh, que ironia... justamente o que designa a falta de conteúdo é, por definição, o próprio conteúdo que nega.

Eterno looping tentando injetar sentido naquilo que, outrora, não possuía.

A vontade inconsciente do sistema de se injetar realidade.

O mundo que não existe tentando ser real.

Porque se de fato estivesse em branco, nada deveria estar escrito.

Que tal “a parte deste carimbo, não há mais nada escrito neste papel”.

Argumentem vocês, sábios, que há sentido nisto.

Ou naquilo.

Ora, há sentido em tudo que quisermos que tenha sentido.

90% do mundo vê sentido na religião, no místico.

E nem por isso fica comprovado, de fato, que existe uma coisa ou outra.

E quem sabe nem o mundo exista, senão o que enxergamos e o que interpretamos dele.

Ou melhor, quem sabe o mundo apenas exista porque estamos aqui para enxergá-lo e interpretá-lo.

O que não nos torna especial, diga-se de passagem.

Absurda vontade interminável de ver e criar sentido.

Está em nós o sentido de tudo e de todos. É interno, não externo.

A chuva cai, o sol nasce, a lua reflete. Tudo acontece, exista ou não a nossa necessidade de ver e criar sentido.

E se houvesse um carimbador universal, posto que não há, seríamos nós os destinatários do carimbo celeste “em branco”.

É isso que merecem aqueles que para nada servem ou nada tem a acrescentar.

(“Nós” não. Talvez apenas em mim. Talvez apenas eu)

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